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Até agora, quando queria comer comida espanhola, guardava um par de horas para conduzir para norte e logo depois da fronteira tinha um manancial de escolha. Desde os petiscos mais tradicionais à cozinha mais criativa, sem ignorar o marisco galego, há sempre muito por onde escolher. Claro que ficavam a faltar outras experiências: a Galiza é riquíssima, mas não representa toda a Espanha.

Muitos restaurantes modernos que abrem em Portugal sem matriz definida integram petiscos espanhóis no seu menu, com maior ou menor sucesso. Destes, estou sempre a ver em destaque com larga margem os ovos rotos, de várias formas e feitios, nem sempre com sucesso.

Mas espanhol mesmo, puro, sem desvios e ancorado na ribeira do Porto, é o Sagardi. Tem matriz basca, mas é uma viagem segura a Espanha sem gastar os quilómetros da gasolina.

Quando abriu há uns anos propôs uma dinâmica difícil de digerir para os clientes tripeiros, era muito acelerado. Ir a uma casa de petiscos no país basco (como em toda a Espanha) é entrar num local enérgico, barulhento e confuso. Os clientes estão a descontrair da saída do trabalho ou no regresso da missa, escolhem a sua comida, pedem vinho ou cerveja, passam pela frente uns dos outros e divertem-se encostados ao balcão ou nas mesas altas.

Hoje o Sagardi está mais calmo, mais maduro. Tem uma equipa muito bem treinada com os valores da casa e faz-nos sentir queridos e bem acolhidos. Do serviço de vinhos à grelha, toda a gente que ali trabalha sabe o que tem que fazer. Não há dúvidas ou hesitações perante uma lista longa dividida entre os petiscos ao balcão, dezenas de pintxos (petiscos pequenos colocados em cima de um pedaço de pão) e a carta de carnes maturadas na brasa, para além de outros pratos típicos. Nos vinhos, a escolha é grande e abrangente e há muitas opções espanholas e internacionais, incluído Portugal, pois claro.



Destaco na barra o clássico gilda, que me fez logo viajar às ruas barulhentas de Bilbao. Um palito de anchova, pimento verde e azeitona que exprime a gastronomia basca tradicional. Também comi um de ventresca e anchova, firme e de sabor forte e ainda um de atum e clara de ovo polvilhada, fofa e ligeira. Nos de carne, propuseram-me um de terrina de porco compacta e cremosa, com uma tosta sequinha como base. Também tive a oportunidade de comer um pincho vegetariano, com uma terrina de vegetais coberto com um pouco de creme doce e pinhões. Mas há muitíssimo por onde escolher, desde presunto ibérico à mais clássica tortilha espanhola.

No andar de baixo, sala rústica e em pedra, a coisa corre mais séria. A lista é, como referi, variada, e viaja por uma Espanha mais alargada. Para petiscar, pedi umas ervilhas verdinhas pequeninas, levemente cozidas, com pétalas de toucinho ibérico transparente, mas com o lado salgado demasiadamente presente. Sem falhas e imperdível, é a tortilha de bacalhau. É de uma leveza e elegância extraordinária, com os sabores dos ovos e bacalhau sempre de mãos dadas. Ainda uma nota para a txistorra da casa, essa linguiça típica, fina e semi especiada, que não enche em demasia e abre o apetite para o resto da refeição.

As carnes do Sagardi são o coração da carta. São servidas peças grandes de rabo de vaca velha, carne delicada e estufada de modo a ficar densa e cheia de sabor. Também há um magret de pato, grelhado na brasa, suave e bom de sal. É acompanhado por uma maçã doce e ácida, tornando o prato muito equilibrado. Para acompanhamento, escolhi uma salada de alfaces estaladiças, cebola suave e um tempero tipo vinagreta que ligou tudo.

Mas a joia da coroa é mesmo o Chuletón Premium, maturado à volta de 4 semanas, coberto de sal quando vai para brasa quente, limpo do excesso antes de ser servido. Fica com o interior rosa e vermelho e exterior tisnado. Tem que ser degustado com a tranquilidade que se exige para que se sinta a intensa harmonização de texturas e sabores. Só a carne! Acompanhei com os pimentos piquillo vermelhos da casa, com uma cura a puxar a sua doçura e cremosidade na boca. Vieram também umas batatas fritas em palitos grandes, de grande qualidade. Há muito sabor e grande personalidade nestas carnes.

Uma visita ao Sagardi pode acabar com esse estranho paradoxo. Adorando comida espanhola, já não precisamos de planear uma grande viagem para a encontrar. Basta ir passear um dia ao centro do Porto. Fugir das croquetas e das setas a la plancha e ir um pouco mais além no que a Espanha nos oferece para comer.

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