Terminada a gala de entrega de estrelas e prémios Michelin Portugal, resulta que temos mais 4 novos restaurantes estrelados, em Lisboa, Santarém e Funchal. E um novo duas estrelas no Porto.
Aproveitando estes dias para ler e analisar o que se escreveu, comentou e publicou sobre o assunto, deixo-vos quatro notas que acho relevantes neste momento. Para o bem e para o mal, não há como ignorar o peso deste guia na restauração nacional e no seu futuro.
1. As expectativas são sempre muito altas. Todos os anos parecemos entrar na mesma dinâmica conflituosa. Tentamos interpretar o que o guia Michelin, a partir de Madrid ou de Paris, vai dizendo sobre o nosso retângulo, cruzamos isso com as informações e rumores que vamos ouvindo e com as experiências que temos das refeições nos locais que julgamos merecer distinção. Há sempre mais expetativas que certezas e misturamos muitas vezes as nossas opiniões com os critérios dos inspetores. E assim chega a frustração. Nestas horas, foi comum ler e ouvir tantos críticos, gastrónomos, restauradores e jornalistas, até fora da gastronomia, a transmitirem a ideia de que as expectativas saíram frustradas. Mas não é assim todos os anos?
Prefiro ver “o prato” meio cheio do que meio vazio. A cena gastronómica portuguesa sai reforçada com as novas estrelas e ninguém coloca em causa o mérito dos premiados. Termos um guia só para nós, a partir de agora destacado de Espanha, que fortalece a imagem internacional da nossa comida e reforça a nossa autonomia gastronómica, fora e dentro de portas.
2. Rodrigo Castelo, a estrela Michelin e a estrela verde. As duas estrelas conquistadas por este chef, a Michelin e o trevo verde, afirmam a real abertura de portas à cozinha informal no Guia Michelin em Portugal. Depois dela ter ficado entreaberta com a estrela do Euskalduna (ler aqui), por não ter deliberadamente serviço de sala, o guia foi mais longe e fez jus ao critério que espaço e serviço não são fundamentais para a primeira estrela. No O Balcão, tudo é produto, tudo é tradição e tudo é sabor, num ambiente muito tradicional e genuíno. Daí a dupla distinção.
3. Vítor Matos e a interpretação do conceito Michelin. A cozinha de Vítor Matos tem a complexidade, a técnica e o sabor que a Michelin adora. Por isso ele foi o homem da noite. É autor de pratos complexos, coloridos e elegantes e constrói menus que crescem de intensidade e fazem sentido do princípio ao fim. Parece também ter conseguido replicar isso nos outros espaços onde trabalha e, aparentemente, começar a criar uma escola apreciada pela Michelin, com a entrega da Jovem Chefe do Ano a Rita Magro, que trabalha com ele no Blind. Há outros chefs assim em Portugal, mas este ano foi dele.
4. A não terceira estrela. Por mais que tente, Portugal não consegue a terceira estrela. Toda a gente fica triste, toda a gente se irrita, ninguém percebe porquê. Eu não sou exceção. Apenas posso contribuir para o dilema com a minha experiência: Os três estrelas que visitei e que foram atribuídas três estrelas mais recentemente, têm uma componente de experiência gastronómica completa, cénica e ritmada, com vários momentos distintos, muitas vezes em espaços diferentes do restaurante. O serviço de sala adquire uma relevância, até teatral, há muito perdida, com grande interação entre o cliente e a equipa. Azurmendi e Aponiente, em Espanha, são dois exemplos deste conceito. Claro que há exceções, mas a exclusividade da terceira estrela parece empurrar o comensal para a experiência holística da refeição, com algum “fogo de artifício”, bem medido. E Portugal não tem nenhum restaurante a funcionar com essa dinâmica.
É assim a Michelin: A sua reserva é o nosso fascínio, por vezes desconcertante. É uma referência, como há outras, que podemos seguir ou destratar, mas que não conseguimos ignorar.