O Cafeína é a imagem, a referência, o símbolo da mudança na restauração no Porto, naquele período em que todo o Porto estava a mudar. Eram os anos 90.
Ambicioso, belo, moderno, na moda, tudo aquilo que se traduz hoje na palavra “hype”, este espaço conseguiu-o em 1995.


Vasco Mourão foi, e é, o seu mentor. Pensou o Cafeína nos anos 90 com a
experiência que trazia do elétrico bar da Praia da Luz e do alternativo “Café na Praça”, praça essa que já nem existe. É a de Lisboa e só na toponímia.
Quando fazia falta um restaurante com uma abordagem contemporânea da cozinha portuguesa, Vasco instalou-o num espaço elegante na Foz do Douro, com decoração de Paulo Lobo, uma casa velha recuperada e de ambiente intimista em tons escuros, embora luminoso por causa das muitas janelas que parecem quadros naturalistas por causa das árvores da rua e do mar ao fundo.


O Cafeína faz 30 anos e por isso merece umas palavras nesta crónica. Pelo que foi e pelo que continua a ser, hoje mais adulto e mais sério, mas completamente adaptado ao ambiente que agora se vive na restauração do Porto. Os hypes são mais curtos, as modas rápidas e o grande desafio do cafeina é ter comida boa e serviço excelente, adaptado ao seu conceito.
A comida está hoje mais elaborada do que nos primeiros menus. Integra mais técnicas internacionais e ingredientes exógenos a que já nos habituamos na culinária portuguesa. A oferta do Cafeína aos 30 anos acaba por ser uma simbiose do passado e da personalidade que o restaurante quer continuar a ter no presente, e no futuro.

Não vou falar do bacalhau à Dilma, prato icónico, que teve o seu tempo e foi muito propalado na imprensa na altura. Contudo, mantêm-se no menu outros clássicos que definiram o Cafeína nesta viagem de três décadas.
Nas entradas falo de um mi cuit de foi gras, hoje banal em muitos menus, mas cuja matéria-prima é primordial para uma boa experiência. Peça do fígado cremosa, densa, que é acompanhado, nesta saison, pelo tradicional brioche doce e fofo e uma redução de vinho do Porto numa cebola domada e elegante. Outro clássico da casa, o tártaro de atum, elegante ao olhar, de corte vermelhão da barriga, picado grosso e acompanhado por um gaspacho fresco perfumado e uma salicórnia para dar um toque salino, é sempre uma proposta fresca para começar uma refeição. Tive ainda a oportunidade de comer um off menu, uma “brandada” de bacalhau cremosa com almofadas crocantes de batata. já o lombo de robalo assado, com a pele crocante e a carne macia e húmida, vinha servido com um carolino de algas e mexilhão, bem marinho e intenso, equilibrando a delicadeza do peixe. Outro clássico do menu é o Wellington. Durante muito tempo foi raro encontrar wellingtons nos menus da cidade porque não é um prato fácil e muitas casas cozinham-no de forma errada, seja no recheio, seja no ponto da carne e da cozedura da massa folhada. Aqui vem fatiado, com gradação de cozedura perfeita até ao interior malpassado e a duxelle de cogumelos clássica do prato a dizer presente ao conjunto.


Nas sobremesas, o crepe envolvido num delgado creme custarda chegou morno e doce e os frutos vermelhos ajudaram a cortar a doçura, e o tradicional e opulento bolo de chocolate, (decadente, como lhe chamam os saxões), foi uma das sobremesas que ajudou a dar nome à casa. A outra, que não está na lista, era uma fabulosa tarte de limão, de arrepiar até os menos sensíveis. Faço votos para que volte, mesmo que por pouco tempo.
Assim é o Cafeína, uma mistura indelével de classicismo e modernidade, sempre a olhar para a frente. Foi uma escola de grandes chefes e continua à procura do diferente, do pormenor que o faça distinguir-se dos outros restaurantes. Fazer uma casa viver 30 anos é mais do que uma arte. É uma visão de conjunto e de pormenor, de dedicação e persistência, que é o que Vasco Mourão, restaurateur e não chefe, tem para o grupo. Bem-haja por estes trinta anos.