
Há uma inquietação quando é difícil definir o local em que se está! Por um lado, não podemos ceder a estereótipos e, por outro, temos que encontrar palavras sempre novas para o fazer.
Nos tempos em que comecei a frequentar o “Maus Hábitos”, na passagem do milénio, colado ao programa cultural disruptivo que apresentava para a cidade e fascinado pela casa de setecentos metros quadrados que se espraiava na penthouse daquele magnífico edifício do final dos anos 30 desenhado por Mário Abreu, não havia comidas.
Mais tarde, muito mais tarde, surgiu o restaurante numa das salas onde costumávamos passar a noite a definir o nosso futuro entre cervejas e vodkas. O “vícios de mesa” surge numa segunda era do espaço original, preocupado em oferecer mais aos seus clientes e adaptar a oferta para que os millennials alternativos possam fazer tudo no mesmo sítio. Sem perder o espírito que norteou, e norteia, o “Maus Hábitos”.
Uma sala que vale a pena aproveitar de dia pela luminosidade contagiante que vem de todos os lados (até da porta de entrada) e de noite, onde o ambiente “retro” se torna acolhedor e intimista.
O menú é millennial, tenho que repetir. Uma lista vegetariana própria, com o seu lugar assegurado e não como complemento ao resto das ofertas, e “confort modern food” omnívora, centrada em pizzas, saladas e hambúrgueres, entre outras opções. Mas nem por isso digno de menos atenção.
O fresco Mojito do bar. créditos: Paulo Russell-Pinto Um bom ambiente retro e luminoso
Ao almoço, nas entradas dos menus do dia, provei uma tapenade irrepreensível acompanhada pelas tostas crocantes a que se obrigava. Noutro dia, uma pasta de cenoura com laranja, exótica e fresca, a sentirem-se os sabores propostos e condimentos para rematar. Também há sopas do dia densas e cremosas, leves de sal e prontas para abrir o apetite. A burrata, com azeite aromatizado e tomate cereja, aconselha-se. Boa e simples.
Nos pratos principais destaco a pizza Amália, um clássico em versão tuga, com molho de tomate, mozzarella, azeitona preta, ricota da casa e presunto de Vinhais. Presunto bom e não demasiadamente salgado como costuma acontecer a alguns portugueses. No menu propõem-se várias lasagnas de homenagem e a minha escolhida foi a Charles Perrault. O prato é como as histórias do criador do capuchinho vermelho: complexa e bem montada. Entre a massa e o bechamel, a intensidade dos cogumelos é complementada por um condimento trufado e a abóbora assada dá-lhe leveza e doçura.
Nas massas, a Siracusa, incluída num dos menus diários. Um molho cremoso, reconfortante e fresco com o toque de alho francês mais permanente. A massa chegou firme, debaixo de courgette, frango e bróculo. A proteína era opcional. As zests doces de laranja complementaram o bouquet reconfortante da massa. Já Amalfi, que envolve conchas de carne picada e o bechamel é complexa e intensa, sem vontade de parar de comer.
A pizza Amália, bem portuguesa A massa de conhas Amalfi
E uma nota final para um magnífico risotto Manarola, de açafrão com batata-doce, laranja e queijo de cabra. A batata-doce bem doce, puxada, arroz no ponto pós al dente, bem feito, com sabor, caldo e personalidade. O queijo de cabra trouxe um final seco e tânico ao prato, o que construiu um prato completo e abrangente.
Num almoço de amigos num sábado, o menu foi reduzido a entradas e pizzas. A informalidade do espaço obriga a uma adaptação imediata do cliente às disponibilidades do menu, pelo que é preciso ir com mente aberta.
Entusiasmante é a precisão dos cocktails e da barra que apoia o restaurante. O cosmopolitismo do vícios de mesa também se vê nas ofertas de bar, equilibradas e desafiantes, com alguns twists simples nos clássicos que fazem a diferença e trazem personalidade à oferta. Foi o caso do Negroni e do Cosmopolitan. Quanto ao Mojito, talvez um dos melhores da cidade, estava fresco, exuberante e a condizer com a luz do espaço quando faz sol!
O Vícios de Mesa apresenta vícios para saborear, de dia e de noite.