Nós também somos um país de caril. Embora a nossa história esteja sempre a privilegiar a canela e a pimenta como as especiarias que se estabeleceram em portugal no resultado da expansão marítima, as possessões que mantivemos na Índia fizeram-nos ter uma relação especial também com o caril.
A noz-moscada e o cravinho também estão muito mais presentes na nossa culinária do que aquilo que salta à primeira vista.
Se a nossa relação com as especiarias merece uma abordagem mais atenta e profunda noutras crónicas e textos, não posso deixar de valorizar de imediato o tema e falar sobre aqueles locais de cozinha tradicional portuguesa que orgulhosamente incluem caril no seu menu. Não estou a falar de bons espaços étnicos da índia ou do sudoeste asiático que oferecem bons caris por aí. Nessa tradição portuguesa do caril, no Porto, no Monte dos Burgos, o Loureiro é um desses.
A restauração em Monte dos Burgos é ofuscada pelo farol da churrasqueira no cruzamento. Como sereia, atrai os gulosos e os que pretendem uma comida mais rápida e despretensiosa. E são muitos. Também há algumas casas de take away que servem bem mas fecham cedo e é para levar. Do lado do Porto, um deserto. Quase ninguém oferece calma e tranquilidade, silêncio fadista e serviço atento ao pormenor como o Loureiro, a ilha no meio do mar “monteburguês”.
Talvez o conheçam mais pelas tripas que serve às Quintas e aos Domingos. Preocupados em não apresentar uma proposta demasiado impactante, o sabor de um prato de tripas aqui cresce a cada garfada. Entre a densidade do feijão, a fartura da tripa e o cuidado do tempero, o resultado é um clássico que dá vontade de repetir. Também têm na lista uma vitela no tacho em fogo lento, que é uma boa opção. Suave no corte, aromática, húmida por todo e com sabor prolongado, acompanha com um arroz de açafrão seco e leve que ajuda a aproveitar o molho farto. Na proposta do arroz de pato, a cozinha apresenta-o sequinho e solto, com o caldo bem integrado, resultando num sabor harmonioso e constante.
E eis que chega o caril de gambas, com arroz branco ao lado. Coberto de coentros, é um creme ocre pintalgado, espesso e muito perfumado. Na boca, o seu sabor complexo vai revelando os seus matizes na boca progressivamente. É quente sem ser picante. Tem uma textura suave e sedosa, e o seu volume mantém-se até ao fim. E fica na boca durante muito tempo, sem nunca se perder.
As gambas são grandes, semi descascadas e cozidas no ponto. No arroz, há o cuidado de não ser um arroz à portuguesa, carregado de sal e cebola. É uma excelente base mais neutra para a intensidade elegante do caril. Um dia vou pedir que o façam com frango ou borrego.
Uma nota para o vinho da casa, um duriense carregado de moscatel, que acaba por fazer uma harmonização perfeita com o caril, deixando na boca uma persistência fresca e frutada.
Há muitas formas de fazer um molho de caril. Com água, com leite animal ou com leite de coco. Há inúmeras receitas de caril, ao ponto do caril ser uma mistura de especiarias que não tem de ter uma receita certa e que varia regionalmente, sazonalmente e de intensidade de picante. A magia do caril é essa, não tem de ser todo igual. Mas o nosso prazer, a capacidade de nos fazer viajar tem que lá estar. Senão, não é molho de caril.