Corri há pouco tempo o risco de ser considerado um herege por ter distinguido o restaurante “Filhos de Moura”, em Amarante, como uma das boas casas para comer leitão em Portugal. Como é fora do terroir bairradino há sempre o risco de um clamor purista, mas enfim, é um risco que não me importo de correr, sobretudo quando a comida é boa.
Continuo a demanda do leitão a norte com a referência a este Nelson dos Leitões, casa estabelecida no Mercado do Bolhão, no Porto. Não é uma casa nova, já vai na terceira geração e, desde os anos 90, já é a terceira localização dentro do mercado.
A contento de todos, posso revelar que no caso do Nelson dos Leitões, o leitão é assado na Bairrada e vem para o Porto logo depois de assar. Aliás, a casa é um fiel representante da tradição bairradina, desde a origem do leitão ao pão, dos acompanhamentos ao molho e até ao vinho que recomenda para acompanhar.
O leitão chega à mesa rodeado por rodelas de laranja, cortado em pequenas porções quadrangulares, bem ordenados na travessa. Aquilo que os especialistas procuram encontra-se logo: uma pele dourada crocante e fina, com pouca gordura antes de chegar à carne, húmida e tenra. As fibras da proteína desfazem-se ao corte do garfo, o que significa que a assadura não foi exagerada. Estamos a comer o primeiro pedaço e a olhar já para o segundo que aguarda na travessa.



A segunda nota de relevo vai para o molho, tantas vezes maltratado nas casas bairradinas por excesso de sal e picante e demasiada gordura. Este apresentou-se leve e líquido, salgado sem exageros e uma pimenta fresca e leve que realçou o sabor da pele e do leitão.
As batatas fritas às rodelas podiam ter chegado mais quentinhas, mas ainda assim estavam crocantes e secas, como devem ser para acompanhar o leitão. Já a salada mista teve o cuidado de vir pouco temperada para o vinagre não assustar.

Rematei tudo com um vinho espumoso regional, mas um tinto de baga ou um espumante de método tradicional teria ligado melhor com o bacorinho. Não devia haver surpresa por encontrar a Bairrada tão bem representada no Porto. Afinal, o Nelson já cá está há trinta anos e tantas vezes nos passa ao lado. Sou capaz de me recordar ir lá comer sandes em almoços apressados. Talvez agora sejam outros os olhos, ou o tempo contado com mais tranquilidade. Ou ainda um Bolhão mais arejado e mais tranquilo na área da restauração, a pedir mais tempo para usufruir da comida que lá se oferece.