
A quarta edição do, agora denominado, JN North Festival acabou por demonstrar que o que é nacional é (muito) bom, que Mike Scott e os seus The Waterboys continuam em forma, que a música de dança ainda tem dificuldade em assumir protagonismo num festival de rock e que nem sempre Jesus faz milagres.
Três dias de muito Sol e de calor intenso criaram o clima que se quer nos festivais de música ao ar livre e que na Alfândega do Porto deram o pontapé de saída para mais uma temporada que só terminará lá para Setembro.

Três dias de muita música, cada um deles com propostas bem distintas dos outros, mas todos com nomes interessantes e entusiasmantes, pelo menos, para quem gosta!
Três dias em que o público ficou aquém do esperado pela organização. No dia de arranque, no qual estiveram cerca de oito mil pessoas, o facto de ser quinta-feira pode ser atenuante, mas havia o regresso (!!!) dos Ornatos Violeta! No segundo dia, dedicado às sonoridades hip hop e electrónica dançável, a adesão ainda foi menor e não chegou às cinco mil pessoas. Os mais jovens não apareceram e o recinto pareceu gigantesco! Por fim, ao terceiro dia a coisa compôs-se. Foi, sem dúvida, o melhor dia em termos de público, que, no entanto, terminadas as actuações de GNR e The Waterboys debandou em grande número.

Invariavelmente, os dias de festival tiveram como primeiro momento de esplendor o extraordinário pôr-do-Sol que o cais da Alfândega permite observar. Felizes aqueles que, em palco, o souberam aproveitar em prol do concerto, com destaque maior para Rui Reininho que o usou para, literalmente, brilhar em palco iluminado pelos derradeiros e já ténues raios do astro-Rei.
Falemos, então, do que importa que é a música e sobre essa matéria há que dizer que houve excelentes momentos ao longo dos dias 26, 27 e 28 de Maio, junto ao rio Douro.
Se há coisa que salta à vista após a edição 2022 do JN North Festival é que as bandas e artistas nacionais tem muita qualidade, sabem levá-la para o palco como os melhores e, assim, divertir quem assiste.

Provavelmente, o nome mais ansiado da vasta armada lusa que passou pelo palco da Alfândega do Porto era Ornatos Violeta e a banda da Invicta não deixou os seus créditos por mãos alheias e Manel Cruz e seus pares foram… grandes.
Com a plateia pejada de amigos (leia-se, fãs da primeira hora), o «Monstro» sentiu-se em casa. Manel Cruz quase nem precisava de cantar, pois, em uníssono, a plateia acompanhou-o, palavra a palavra, de princípio ao fim dos temas.

A empatia e interacção entre os músicos e o público sucede naturalmente e a comunhão acontece, instalando-se assim a festa. E foi o que aconteceu à beira Douro. Nem podia ser de outra forma com a série de temas icónicos que os Ornatos Violeta criaram nos idos anos 90.
«Ouvi dizer», «Capitão Romance», «Dia mau», «Dama do sinal», «Punk moda funk», «Pára-me agora» ou «Chaga» foram alguns dos temas que integraram o vasto alinhamento de uma das melhores actuações do festival.

Mike Scott e Rui Reininho… reinaram
E se nesse mesmo primeiro dia de festival também os alfacinhas Linda Martini e os tripeiros Zen estiveram em destaque, foi já no terceiro e último dia que aconteceu outro momento mágico em português e… com pronúncia do Norte!

Isso mesmo, os GNR. Num evento policiado pela PSP, Rui Reininho, Toli César Machado e Jorge Romão, acompanhados por Samuel Palitos e Rui Maia, interpretaram a banda-sonora que honrou o fantástico ocaso de tons alaranjados com que o Porto foi brindado.
Reininho, a jogar em casa, tirou o máximo partido da situação e desfrutou daquela luz que lhe iluminava o rosto em pleno e refletiu-a, em jeito de magia, sobre a plateia, que cedo, efectivamente, se rendeu.

Musicalmente aquilo foi irrepreensível e Rui Reininho, para além de toda a sua performance gestual, brinca com as letras em jeito de alfinetada e faz as delícias de quem assiste.
«Sub-16» deu o mote para o que se seguiu, ou seja, um rol de êxitos, entre os quais «Vídeo Maria», «Cadeira eléctrica», «Mais vale nunca», «Pronúncia do Norte», «Morte ao Sol» ou «Efectivamente», entre tantos outros, e que terminou com… o que toda a gente esperava: «Dunas».

Bem, depois veio Mike Scott e os seus (mesmo dele) The Waterboys. A coisa correu bem porque, diga-se, foi pouco folk. Houve disso, tipo «Nashville, Tennessee», mas também o icónico «Fisherman’s blues» ou «Still a freak».
Porém, bem sopesadas as coisas aquilo foi um concerto rock. Melhor ainda, foi um concerto de The Waterboys.

Houve logo a abrir «Medicine bow» e «Be my enemy», chamados de «This Is The Sea», terceiro álbum da banda escocesa, editado no ido ano de 1985 e que encerrou o período discográfico mais brilhante de Mike Scott. Deste disco saiu também «This is the sea», em versão acústica.
Valendo-se de temas criados na última década, The Waterboys construíram um concerto rock, polvilhado de folk e blues e sempre com a voz (e lírica) de Mike Scott por guia e que valeu à organização a maior presença de público ao longo dos três dias.

Para encore, o inevitável «The whole of the moon». Esta é aquela música que, como outras deles e muitas outras de outros, é um hino. E como hino que é, por mais que se ouça, tem sempre o condão de elevar o espírito de quem venera tal hino. Não é vergonha nenhuma gostar de uma música que nos tocou, tal como a muitos milhares ou milhões de pessoas! Ainda assim, para este vosso devoto escriba, «December», do álbum epónimo e de estreia dos escoceses em 1983, é o verdadeiro hino criado por Mike Scott.

E ao terceiro dia, Jesus não ressuscitaram
Nesse mesmo dia, a fechar a noite no palco principal (não que houvesse outro!), uma banda que se estreou na cidade Invicta, a 8 de Dezembro de 1988, num concerto memorável no «falecido» para o rock Pavilhão Infante de Sagres. Isto não interessa nada, mas dá contexto.
No entanto, ao terceiro dia do festival, Jesus não… ressuscitaram.

Pois bem, falemos do elefante no meio da sala. Falemos do concerto de uns dos melhores criadores de doce ruído das últimas quatro décadas no JN North Festival.
Foi mau. Pronto, está dito. Aliás, foi muito mau. Ah, negra distorção, por onde andaste tu naquela noite!
O som esteve mau e a culpa não é (só) da banda, mas aquilo pareceu um concerto acústico. De doce ruído, nada! O alinhamento até era bom, mas o que o público obteve foi um concerto demasiado fofinho e com demasiados equívocos.

Só à terceira conseguir tocar «Something I can’t have» e, logo de seguida, só à segunda arrancar com «Some candy talking», depois de algumas outras falhas (inesperadas), não é falta de empenho ou competência, mas falta de ensaio. Pronto, está dito.
Por entre um agitado rio de problemas e com a plateia já bem mais vazia, mas preenchida por apreciadores do trabalho dos manos Reid, The Jesus and Mary Chain estiveram muito aquém do que aqueles fãs, muitos devotos, esperavam.
Depois dos dois temas-desastre do concerto, ouviu-se «Darklands», que levou a banda aos bastidores, voltando para um encore que arrancou com «Just like honey».

O ambiente melhorou e Jim e William Reid e seus pares ainda tocaram «All things pass», «I hate rock’n’roll» e «Reverence», um final que amenizou a situação, mas não a a fez esquecer!
Pronto, está dito e não se fala mais nisso. Melhores dias virão, certamente.

Voltando ao primeiro dia, Zen e Linda Martini estiveram bem e aqueceram devidamente as hostes para o concerto dos Ornatos Violeta.
Primeiro, os Zen protagonizaram a primeira viagem aos anos 90, do século passado, uma vez que foi nessa década que a banda foi discograficamente produtiva.

Do álbum «The Privilege Of Making The Wrong Choice», editado em 1998, saíram a maioria dos temas do concerto, como «Reddog», «Trouble man», «Not gonna give up» ou o emblemático «U.N.L.O. (The Urgency Of The Need Lingers On)» e ainda uma versão de «Helter Skelter», um original dos The Beatles.
Gon, sempre provocador, agarrou a plateia desde cedo e conquistou-a sem grande dificuldade. Menos exuberante do que o habitual, ainda assim o vocalista apostou nas poses provocativas e encheu o palco para gáudio do público.

Depois foi a vez dos lisboetas Linda Martini, que traziam na bagagem o último disco de originais, «Errôr».
Do disco lançado já este ano saiu grande parte do alinhamento, mostrando que os novos temas funcionam muito bem ao vivo, não tendo a banda necessidade de recorrer demasiado ao baú.

«Eu nem vi», «Taxonomia», «Medalhinha», «Não me continuem» ou «Festa da expiação», entre outros, fizeram o concerto que terminou com, o já habitual fecho das actuações dos lisboetas, «Cem metros de sereia», cantado em uníssono com o público.
Nota-se que os temas novos já têm estrada e o à-vontade do guitarrista convidado Rui Carvalho é cada vez maior, tal como o entrosamento com o trio.

Electrónica dançante e muita pirotecnia
Entre os portugueses, referência ainda para Capícua, que actuou no segundo dia do festival, o que foi dedicado às sonoridades mais urbanas e dançantes.

No dia em que o público escasseou, a rapper portuense deu um bom espectáculo, mas a falta de público era demasiado notória. A situação acabou por melhorar um pouco com a chegada da noite e dos dois deejays internacionais que encabeçaram o cartaz do dia 27.
O alemão Robin Schulz e o neerlandês Don Diablo foram competentes musicalmente e espectaculares em termos visuais, apostando em muita cor, pirotecnia, lança-chamas, confetis e afins, provocando a festa e a dança na plateia.

Deep house, tropical house, future house, mas também, simples e essencialmente, house povoaram a noite de quem aproveitou e quis dançar numa noite quente à beira-rio.
A noite de música electrónica de dança num festival talhado para o rock não funcionou em termos de público.

Bem, melhores dias virão e aguardemos pelo regresso em força do JN North Festival em 2023.











