
LOIRO é o nome artístico de André Martins, rapper português. Nascido em Lisboa e criado na Amadora, LOIRO é profundamente marcado pelo ambiente de multiculturalidade que sempre o rodeou. Um jovem que viveu por dentro e na primeira pessoa a opressão, a dificuldade e a desconfiança que pairam sobre estas comunidades e que agora procura trazer essas experiências para a sua música.
Racismo, discriminação, abuso de autoridade e desigualdade social são alguns dos temas que explora no seu primeiro EP, intitulado “A Capicua”. Mas também há versos de amor e de outras emoções.
Falámos com LOIRO e fomos conhecer o jovem por detrás do artista.
Global News (G): Aos 23 anos, a tua música revela vivências um pouco incomuns para jovens portugueses da tua idade. A que se deve isso?
Loiro (L): Venho de uma família simples e trabalhadora. Eu e a minha irmã mais nova fomos criados pelos meus avós maternos, na Amadora. Cresci num ambiente extremamente multicultural, no meio de diversas comunidades, onde se destaca claramente a comunidade negra. Sendo uma grande maioria, sem sequer sair do meu código postal, tive, desde sempre, uma grande convivência com a cultura africana, desde a música, a comida, os hábitos e tradições, ou até mesmo as línguas. Pelo que tiveram uma grande influência em quem eu sou hoje e na forma como vejo o mundo.
G: Alguma vez te sentiste desenquadrado nesse ambiente?
L: Pelo contrário! Sempre fui acolhido nessas comunidades e criei ligações muito fortes com elas.
G: E como é que a convivência com esta multiculturalidade moldou a tua maneira de ver o mundo?
L: Tendo crescido no meio da comunidade, lidei com problemas com o racismo, discriminação, abuso de autoridade e desigualdade social. Na primeira e na terceira pessoa. Lembro-me desde sempre de presenciar como a polícia abordava os meus amigos. E de como as autoridades intercediam comigo quando percebiam que eu também fazia parte do grupo. Lembro-me de toda a opressão, dificuldade e desconfiança com que as pessoas sempre se debateram. Na rua, assisti a confrontos desde muito cedo, vi alguns dos meus melhores amigos a cederem às tentações que nos rodeavam… Enfim, tudo recordo e tudo me marcou. Sinto que podemos e devemos fazer melhor, porque os mais novos vão seguir o exemplo do que têm por perto.
G: Isso inspira as tuas músicas?
L: É isso mesmo que me faz escrever. Tudo o que eu vi, vivi e experienciei procuro colocar nas minhas letras e motivar jovens de ambientes parecidos com o meu a perceberem que há um caminho para além daquilo que vemos. Sempre senti que tinha algo especial dentro de mim que devia partilhar com o mundo. Que tinha um propósito maior.
G: Sabemos que a religião e o desporto também têm um peso grande na tua formação…
L: Cresci numa família muito religiosa e, embora me tenha sido dada a oportunidade de pensar pela minha própria cabeça, sem me quererem impor uma opinião, acredito muito em Deus e tenho uma fé inabalável. Sobre o desporto, sempre foi fundamental na minha vida. Pratiquei futebol desde os cinco anos, o que me manteve focado no sonho de uma carreira e longe dos maus caminhos que as ruas me ofereciam. Não fumo até hoje e bebo apenas esporadicamente, muito devido à disciplina que o desporto me incutiu. E sei que isso foi muito importante num jovem crescido nos bairros multiculturais, onde as dificuldades e o preconceito estão sempre presentes, tornando-se mesmo muito difícil que não afetem o nosso caminho.
G: Que ritmos influenciam a tua música?
L: Como disse, a música africana sempre esteve muito presente na minha vida. Kizomba, semba, kuduro, funaná, afro, etc, acompanharam-me desde a infância. E ao mesmo tempo o rap (principalmente americano). Chegava-me muito Jay-Z, 50 cent, Snoop Dogg… Mais tarde, conheci também rap feito em português e sei que foi quando ouvi Força Suprema pela primeira vez que realmente me apaixonei por rap. A sonoridade que eles tinham – meio americanizada, meio portuguesa/africana -, o estilo, a atitude, o facto de serem de onde eu também era, os problemas sociais que eles abordavam, que eram os mesmos que eu via no meu dia-a-dia… fez tudo sentido. Foram, sem dúvida, a minha maior influência, tanto para começar a cantar como na própria vida. A motivação e a força que me deram um dia são a mesmas que eu quero passar com a minha música.
G: Lembras-te de quando começaste a criar os teus próprios versos?
L: Eu escrevo desde muito cedo, mas nunca foi uma coisa que levasse a sério. Apenas em 2018/2019, numa altura em que já não jogava e que desisti da escola para ir trabalhar como distribuidor de pizzas, decidi começar a compor de um modo mais profissional e profundo. Ganhava muito pouco na altura e, com toda a oferta com que a rua me acenava, decidi que tinha de encontrar um rumo diferente para mim, ou iria acabar como muitos exemplos negativos que via ao meu lado… A música foi muito mais um recurso pela sobrevivência do que um sonho que tivesse desde criança. Mas depois apaixonei-me por fazê-lo! Escrevia muito e ia sempre mostrar aos meus amigos na rua, de madrugada, cantando para eles os meus versos. Foi quando a Lisbon Entertainment me descobriu e me apoiou.
G: E do novo EP “A CAPICUA”, o que se pode esperar?
L: É o meu primeiro EP. Conta com os singles já lançados “Jovem Rei”, “Pretty Young Thing” e “À Espera Que O Amor Acabe”, entre outras
músicas. Pelo hip-hop e rap, quero trazer a debate várias das temáticas já mencionadas e brindar o mundo com sonoridades novas, fruto da
versatilidade que procuro ter enquanto artista. Com a música, espero tocar e ajudar a mudar a vida de quem me ouve. Desejo que a minha voz seja um veículo de motivação e mudança.
G: E como te vês no futuro?
L: Como disse, sinto que tenho algo dentro de mim que o mundo precisa de ouvir. Vejo-me a ter um lugar na história do rap em português e da música em Portugal. Vejo potencial de eternidade na minha música e quero debater assuntos e ajudar a mudar algumas visões ainda latentes no nosso país que, no meu prisma, são incorretas e antiquadas. Vejo-me a ser eu mesmo e, mesmo assim, as pessoas acusarem-me de não o ser devido aos padrões que a sociedade lhes incutiu. Mas estou pronto a ir à luta! Vejo-me a fazer a diferença na vida das pessoas, não apenas através da música, mas também pela mensagem.