fotografia de Reinaldo Rodrigues
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Nesta minha colaboração com a Global News, resolvi voltar às entrevistas. Se, no passado, elas tinham como habitat natural o meu blogue, passam agora a conviver convosco neste espaço onde se reúne esta excelente equipe de que agora faço parte. Para começar, um músico Português que se tem destacado pela qualidade dos seus projetos e pela sua participação ativa em defesa de causas e de ideais mas sempre em “nome das canções”.

Confesso que o período do Luís que me marcou mais foi o que coincide com o projeto da Naifa. Na altura, eu estava particularmente ativo nas minhas atividades musicais e foi para mim uma agradável surpresa. Vi-os várias vezes, conheci-o pessoalmente em Braga depois de um concerto no Theatro Circo. Aquela sonoridade era algo diferente, que me surpreendeu. Nos dias de hoje, o Luís volta à luta com o projeto “Luta Livre” que serviu de base à troca de palavras escritas que de seguida se reproduz.

O meu obrigado ao Luís e, mesmo sendo eu uma pessoa com bastante cuidado na preparação das entrevistas, até porque muitas vezes vou em busca de histórias que as músicas contam, atirei ao lado quando não mencionei o projeto “Linha da Frente em 2002”. Deu jeito para a contagem das décadas – como se irão aperceber – mas, não foi esse o motivo.

Espero que gostem. Tal como o espírito dos singles, os 45 rpm, esta rúbrica irá conter sempre questões rápidas, daquelas que ficam no ouvido e, terá sempre a referência a um lado B!


P: Não sei se tens consciência deste “pormenor”, mas fazes parte ou crias projetos novos com a cadência de uma década. Assim, temos: a) Década de 80 – Peste & Sida; b) Década de 90 – Despe & Siga; c) Década de 00 – A Naifa; d) Década de 10 – Fandango; e) Presente década – Luta livre. Que se seguirá nos “novos” anos 30 deste século? ☺ Jazz puro?

R: Ainda não tinha visto as coisas por esse prisma… já agora, permite-me uma nota: falta a Linha da Frente (2002).

Não sei o que vou fazer a seguir, para já estou a trabalhar a Luta Livre – a acabar músicas para o álbum e a preparar o espectáculo. Estou a trabalhar com um grupo de pessoas fantásticas – músicos, realizadores, desenhadores – e sei que vamos montar um espectáculo forte.

Acho que, mesmo que quisesse, nunca conseguiria fazer jazz puro. Sou um músico de rock, não tenho a escola do jazz. Mas estou a gostar de usar o jazz neste contexto da Luta Livre; através de samples ou de partes gravadas ao vivo, o jazz tem entrado muito bem nos ambientes das canções.

P: Reproduzindo o post do Avante do passado dia 10: “… Anuncia ao que vai, em cada tema que introduz, e depois vai mesmo. Quando chega Política, toda a gente canta em uníssono o refrão «Associações, sindicatos e partidos: as classes dominantes têm horror aos colectivos!» não resta dúvida: a luta está instalada. Luís Varatojo é dos bons. Seguro e impactante. E artista militante…”. Usando uma terminologia mais apropriada quando éramos os dois mais jovens, dá-te “pica” ouvir este tipo de elogio?

R: Quem não gosta de ouvir elogios? É sinal que aquilo fazemos é apreciado por alguém, que a mensagem chegou ao destinatário, e isso é bastante compensador.

P: O tema “Política” é o que gosto mais, confesso. Mas, não é o refrão que me chama mais a atenção. Quando cantas, “Mas mais perigosos são os cidadãos que não perguntam nem querem ouvir respostas e viram costas quando falamos em política”. É ao mesmo tempo confuso e preocupante que, numa altura em que a alfabetização é maior e a informação abunda que novos e mais velhos se alheiem do poder que têm em escolher quem os representa, não achas? A que se deve? Não será só devido à corrupção, às crises e todos estes fenómenos que nos acompanham nos últimos anos com uma carga negativa muito forte.

R: Somos um povo e somos um mundo desinformado. De facto, com tanta informação disponível, como é que somos tão idiotas? Acho que tem a ver com a forma como fomos educados nas úl\mas décadas, talvez desde a segunda guerra mundial. Embora no início deste período tenha havido um certo ambiente de renascença no ar, as sociedades encaminharam-se para um modelo superficial, baseado no consumo e no entretenimento básico, que levou à completa alienação de uma grande parte da população. Neste momento muita gente acha que a política é a raiz de todos males, não percebendo, nem querendo perceber, que o direito a fazer política é a única (e mais potente) arma que têm à mão para fazer valer os seus direitos. O velho conceito “dividir para reinar” está cada vez mais presente e, inacreditavelmente, continua a dar frutos.

P: Sendo tu um artista interventivo, com uma participação social efetiva, não achas que hoje em dia (aqui é um fenómeno mais recente na minha opinião) estamos igualmente a protestar por tudo e por nada? Não tens o receio que por vezes nos estamos a desviar do essencial, do que realmente tem um significado social importante? Está na moda protestar?

R: Não acho que haja demasiado protesto, nem que o protesto esteja na moda. Aliás, acho que cada vez há mais pessoas que se excluem da participação cívica e se resignam. Uma coisa é a indignação nas redes sociais, que serve, sobretudo, para manter o status quo, outra são os protestos conscientes e organizados que podem levar a verdadeiras mudanças. Um bom exemplo disso são as acções que têm sido organizadas contra as alterações climáticas e contra o racismo. Acho que precisamos de nos organizar mais porque o protesto colectivo é, obviamente, mais eficaz que a indignação individual.

P: Agora para finalizar e pegar na temática dos 45 rpm, diz-nos um single que te tenha marcado mais e porquê. Existe algum lado B que tenha tido em ti um maior impacto? Por vezes escondiam-se grandes temas no outro lado de um single.

R: O single que mais me marcou foi o primeiro que comprei: Cavalos de corrida, dos UHF. Tive a sorte de ser teenager na altura em que se deu o boom do rock português e viver um momento em que o entusiasmo pela música portuguesa envolvia toda uma geração. No dia em que comprei ouvi-o várias vezes. Depois, numa festa de garagem em que me pediram para fazer de dj, toquei-o à exaustão, dos dois lados, a malta só queria ouvir aquilo. Foi realmente potente. A formação dos UHF dessa altura debitava mesmo muita energia, as palavras eram muito fortes e directas, e nós estávamos sintonizados.

O lado b que me bateu mais foi Longa Se Torna a Espera, dos Xutos. Na verdade, nessa altura qualquer música dos Xutos podia ser single, eram todas boas. Mas esta era uma canção densa, de resistência e de acreditar na mudança. Era sempre um momento forte nos concertos. E foi um excelente lado b para o Remar Remar.

Entrevista feita por King Leer
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