O Traça, na praça de São Domingos, no Porto, foi um dos primeiros “novos” restaurantes a instalar-se na recuperada Rua das Flores e ali estabelecer uma carta diferenciadora. Talvez seja injusto em falar em “novo” restaurante, dado que estamos a falar em quase uma década e um serviço que dura tanto tempo tem que ter os seus méritos.
A oferta centra-se numa cozinha ibérica com especial destaque na grande oferta de entradas que mistura petiscos típicos de Espanha, como o pão com tomate e os croquetes de presunto com ingredientes espanhóis como os pimentos piquillo ou a cecina. No menu das carnes apresenta cortes e proteínas que são menos comuns nas nossas cartas como o javali, o veado ou a perdiz. Poucos restaurantes no Porto tiveram veado na sua lista antes do Traça, e era comum este vir seco ou duro, como acontece a quem não o sabe cozinhar. Não é o caso. Do lado dos peixes, bem portugueses, destacam-se confeções mais criativas e ingredientes menos comuns, mas que resultam muito bem.

O chefe Diogo Cabral manteve a coerência da oferta gastronómica deste espaço desde a sua abertura e fez muito bem: Para além dos passantes e dos turistas, conseguiu criar um público que procura o Traça pelos seus pratos singulares e a sua decoração de época.
Mas nesta crónica quero-vos falar do motivo que me impele a ir comer ao Traça sem razão aparente. A meio da lista de sobremesas é possível encontrar uma das pérolas escondidas da restauração portuense, que é a “tarte fria 3 chocolates”.

Apresenta-se uma surpreendente fatia de um bolo a três cores sendo a superior branca, o que nos desafia imediatamente. Quando se come, toda ela é sabor e densidade. É um aveludado cremoso com uma espécie de ganaches de vários sabores que permanece na boca e que se vai desfazendo em função da forma como a comemos, uma das camadas de cada vez ou as três ao mesmo tempo, se atravessarmos a colher no sentido vertical.
O tempo necessário para se comer a tarte permite que se explore cada um dos sabores dos chocolates se nos apetecer ir comendo cada uma das risquinhas. O branco em cima, doce e fresco, o do meio, que nos transporta para a presença de frutos secos como a avelã, mesmo que possam não existir na receita e, em baixo, o mais escuro que realça o sabor e amargor doce do cacau.
A base areada suporta toda esta trilogia de sabor e textura. A persistência e temperatura fresca da tarte fria prolonga o prazer por muito tempo, mesmo depois de se pedir o café a conta. Tudo resulta. É por tudo isto, pelo conjunto e pela soma das partes, que a “três chocolates” é imperdível e deve ser pedida sempre que possível a cada refeição do Traça!

