Diz o povo, na sua imensa sabedoria, que “depois da tempestade vem a bonança” e assim foi no quarto e derradeiro dia da edição 30 do Festival Vodafone Paredes de Coura. A bonança trouxe ainda o melhor concerto do festival protagonizado pelos incríveis Explosions In The Sky e ainda «o» momento do festival pelos Les Savy Fav.
Depois do céu ter castigado impiedosamente os festivaleiros de Coura na véspera, sábado nasceu chuvoso, mas ao longo do dia as nuvens foram secando… até porque estavam prometidas grandes explosões no céu. E assim foi!

A banda do Texas levou até ao Taboão as suas paisagens sonoras de horizontes melodiosos e arrebatadores, conseguindo, de forma impressionante, que se instalasse na plateia um silêncio sepulcral. Os momentos musicais mais doces e suaves foram acolhidos pelo público com um respeito enorme, aproveitando para viajar mentalmente e em absoluto silêncio. Depois, bem, depois, a música do quarteto norte-americano (apesar de serem cinco em palco) tem os momentos catárticos, as verdadeiras explosões no céu, em que as guitarras tresloucam e quem ouve explode também.

«First breath after coma», «The only moment we were alone», «Six days at the bottom of the ocean», «Memorial», «Your hand in mine», «The birth and death of the day» e «Greet death» compuseram a banda-sonora de um concerto que até dói de beleza sónica.
A viagem foi linda, de uma intensidade brutal e deixou o público siderado e maravilhado, o que era bem visível nos rostos e sorrisos dos milhares de pessoas que assistiram.

E quando este vosso escriba pensava que estava fechada a edição 30 do Couraíso com o fabuloso concerto dos Explosions In The Sky, eis que é surpreendido pela extraordinária performance dos, também, norte-americanos Les Savy Fav.
Irrequieto e provocador, o vocalista Tim Hamilton passou o concerto a desafiar o público, juntando-se amiúde à plateia. Foram momentos de euforia colectiva, enquanto os demais elementos da banda – Michael James (guitarra), Munaf Rayani (guitarra) e Chris Hrasky (bateria) – debitavam uma sonoridade punk-rock entusiasmante, o que fez o público aderir fácil e rapidamente.

Toda a prestação de Hamilton é teatral e provocadora, tendo-se livrado, ao longo do concerto, da indumentária, que inicialmente o cobria dos pés à cabeça. Terminou em tronco nu, foi ao bar beber cerveja directamente das torneiras, passeou-se pela plateia, mas foi como uma das grades de segurança que ele mais brilhou. Ora encostada às grades que delimitam a plateia junto ao palco, ora valendo-se do público para estender a grade sobre aquele, Hamilton trepou, dançou e provocou a loucura na massa humana, que dançava, saltava e desfrutava agitadamente como se não houvesse amanhã.

O último dia de Couraíso teve ainda outro concerto extraordinário protagonizado pelos Sleaford Mods. Rufia na atitude, o vocalista Jason Williamson provoca, refila e dispara constantes protestos, debitando ininterruptamente palavra! A grande novidade do regresso dos Sleaford Mods a Paredes de Coura foi a postura do músico e produtor Andrew Fearn, que agora dança exuberantemente (qual aula de fitness!), parando apenas para disparar as músicas a partir do computador portátil. Dantes passava os concertos parado e quase quieto, sempre de cerveja na mão, meneando-se, por vezes, levemente. Bem, desta vez, nem água bebeu!

E se esta foi a grande surpresa dos Sleaford Mods, mas o que se esperava também aconteceu, ou seja, punk-rock de sabor electrónico e muita palavra e atitude desafiadoras. Um must!
Nota para o concerto dos veteranos Wilco, antecedendo o fecho do festival, que aconteceu com Lorde.
Os norte-americanos deliciaram a plateia com o seu rock de guitarras melodiosas, deixando já no ar um sentimento de despedida, que aconteceria poucas horas depois, mas já sem a qualidade musical destes.

Destaque ainda para as prestações dos portugueses Indignu, que abriram o Palco Yorn, e do norte-americano Lee Fields que espalhou charme e soul, na abertura do palco principal. Estas duas actuações tiveram o condão de fazer parar a chuva, abrindo caminho ao Sol e ao conforto. Nota ainda para os concertos de Crack Cloud e de Yin Yin, ambos bastante do agrado dos festivaleiros.
O fecho da edição que celebrou 30 anos de Festival Paredes de Coura aconteceu uma vez mais ao som de pop. Sozinha em palco, Lorde regressou ao Couraíso e facilmente pôs a plateia a dançar e a cantar fruto de um alinhamento carregado de hits que vem colecionando na última década. Pop electrónica que esperemos seja rendida no próximo ano por rock’n’roll.

Por falar em próximo ano, em 2024 o festival instala-se nas margens do rio Coura entre os dias 14 a 17 de Agosto.
Sobre a edição 30, dizer ainda que as já habituais Vodafone Music Sessions voltaram a levar público e artistas a lugares inesperados, foram os casos de Samuel Úria, Caio, A Garota Não e Tim Bernardes que estiveram, respectivamente, na Casa Grande de Romarigães, Igreja Românica de Rubiães, Quartel das Artes e Abrigo do Taboão. Também o Jazz na Relva voltou a ser um sucesso junto dos festivaleiros-banhistas. Nem na sexta-feira, dia do dilúvio, houve impedimento, pois a chuva só começou a cair ao final da tarde.

Ainda o festival não tinha arrancado e a sensação de que havia menos gente instalava-se. Isso acabou por se confirmar, mas a verdade é que o número de pessoas que este ano estiveram no recinto andou abaixo de edições anteriores. No entanto, dizer que mais coisa menos coisa, este é o número ideal para que o recinto não perca conforto e a experiência dos festivaleiros possa ser mais agradável.
A organização, a cabo da Ritmos, avançou o número de 80 mil pessoas ao longo dos quatro dias, número inferior à de 2022, a primeira a sério depois da pandemia de Covid-19, que foi catalogada, então, pelo diretor do festival, João Carvalho, “a melhor”, a “mais cara” e a que deu maior retorno. “Efeitos da crise”, justificou.

Ainda assim, e salvo alguns persistentes erros de casting, a edição 30 de Paredes de Coura foi uma boa edição, com variedade de concertos e de estilos (dentro do rock)!
Para terminar, deveria ter existido um maior destaque às bandas nacionais, que nem cheiraram o Palco Vodafone, uma vez que na celebração de 30 anos de um festival cujo cartaz, nas primeiras edições, era integralmente composto por bandas portuguesas.
Bem, como se costuma desejar aos outros no encerramento de mais uma edição de Paredes de Coura: “Um bom ano!”.