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Elefante na Sala: O Bom, o Mau e o Vilão

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Portugal foi a votos e saiu de lá como quem regressa de um filme confuso, com a sensação de já ter visto aquilo tudo, mas sem perceber muito bem como acabou. O enredo foi digno de um western político, com três atores a disputar o protagonismo num cenário de cansaço coletivo, descrença cívica e uma raiva surda que, ao contrário do que muitos julgavam, já deixou de ser marginal.

No centro da história estiveram três figuras, como no clássico de Sergio Leone, e cada a encarna o seu respetivo arquétipo. Mas neste caso, o “Bom” é apenas um homem que tentou sê-lo, o “Mau” venceu sem glória e o “Vilão” sai do deserto com mais munições do que nunca.

Pedro Nuno Santos — O Bom (por tentativa e erro) – assumiu a liderança do PS com a difícil tarefa de renovar sem romper, de mobilizar sem assustar. O problema é que herdou um partido com o motor gripado e sem grande tração junto dos mais jovens — justamente aqueles que gritavam por mudança. Tentou erguer-se como herdeiro de uma esquerda combativa, mas a retórica não foi acompanhada de propostas suficientemente mobilizadoras. A esquerda que se dizia do povo falhou em escutar o povo. O resultado? Ferido e vencido, abandona agora o palco da liderança sem ter conseguido reescrever o guião do socialismo português. O lugar de protagonista fica vazio, mas a derrota não é apenas dele — é de uma esquerda que desaprendeu de inspirar. Resta saber se haverá ainda quem, no partido, tenha coragem e clareza para escutar o país e recomeçar.

Luís Montenegro — O Mau (ou o vencedor desajeitado) – venceu, sim, mesmo debaixo do pano da desconfiança e no meio da opacidade dos seus negócios privados. Mas venceu como quem chega ao pódio e percebe que ninguém bateu palmas. Luís Montenegro sai das eleições com uma vitória amarga, sem maioria, e com um tabuleiro político que lhe exige alianças que preferia evitar. (veremos se continua a dizer que “não é não”. Representa uma direita que fala de estabilidade, mas que mal consegue manter-se de pé sem olhar para o lado e ver Ventura a crescer em forma de muleta. O seu maior risco? Tornar-se num primeiro-ministro de geometria variável, sujeito à chantagem dos extremos e às expectativas impossíveis do centro. Um vencedor que parece mais um peão do que um rei.

André Ventura — O Vilão (com cheiro a poder) – continua a crescer como as ervas daninhas num quintal a que ninguém deita a mão. Não propõe soluções exequíveis, mas sabe como amplificar problemas. Alimenta-se da frustração acumulada e da impotência de quem já não acredita em nenhum dos lados. É, sem dúvida, o maior vencedor simbólico da noite: não por governar, mas por condicionar. E isso chega. Chega para transformar a linguagem política, contaminar o discurso democrático e fazer da indignação combustível para projetos que não têm nada de novo, exceto a forma populista como se apresentam.

E os portugueses? Os portugueses ficam, mais uma vez, como espectadores de um filme em que são os meros figurantes. Salários de sobrevivência, serviços públicos em colapso, juventude sem horizonte. O voto tornou-se grito, protesto, recusa. Mas também, para muitos, deixou de ser ato de esperança para se tornar apenas ato de reação. E isso é talvez o mais perigoso de tudo: um povo que já não espera nada é um povo vulnerável ao primeiro que prometa tudo.

O elefante na sala é este: os resultados de ontem não foram só um aviso, foram um espelho. E o reflexo não é bonito. Quem continuar a ignorar o ruído de fundo — esse barulho crescente dos descontentes — arrisca-se a ser varrido por uma tempestade anunciada. O tempo das ilusões acabou. Agora, ou se escuta verdadeiramente o país, ou resta assistir à continuação do deserto.

Sem cavalos. Sem heróis. Só com fantasmas à solta no parlamento. E agora, os fantasmas, são do pior que poderíamos ter à solta.

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