
Há datas que carregam um país inteiro às costas. O 25 de Abril de 1974 é uma delas. Não há discussão possível: foi o dia que abriu as portas, arrancou as grades e devolveu o país ao povo. Libertou, sacudiu, reinventou. Criou a possibilidade de existirmos sem medo, de escrevermos sem censura, de discordarmos sem sermos silenciados. O 25 de Abril não foi apenas um acontecimento histórico; foi um recomeço.
O 25 de Novembro de 1975, embora importante, vive noutra categoria. Foi um momento decisivo para estabilizar a democracia nascente, travar a deriva militar e assegurar que não cairíamos na tentação de substituir uma autoridade rígida por outra. Foi um ato necessário, sim. Mas nunca um ato libertador. Foi uma garantia de continuidade e não uma revolução. Um consolidou o que o outro tinha conquistado. Um segurou a casa, o outro construiu-a.
É precisamente neste contraste entre criar a liberdade e proteger a democracia que devemos olhar para outra data que também marca o 25 de Novembro: o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres (Resolução 54/134: documentos.un.org).
Esta efeméride, reconhecida mundialmente pelas Nações Unidas, não celebra um acontecimento histórico terminado; lembra uma luta que continua todos os dias.
Enquanto discutimos o papel do 25 de Novembro no PREC e tentamos decidir se merece estátuas, avenidas ou redefinições políticas, há um elefante no meio da sala, enorme e incómodo: a violência que tantas mulheres continuam a enfrentar, todos os dias, dentro de portas, fora delas, nas relações, no trabalho, na justiça que falha, no silêncio que ainda pesa.
Se o 25 de Abril de ’74 nos deu liberdade e o 25 de Novembro de ’75 ajudou a protegê-la, o 25 de Novembro das mulheres, de todos os anos, lembra-nos que a democracia não está completa. Não pode estar enquanto metade do país viver com riscos que a outra metade insiste em não ver.
A violência contra as mulheres não é um “tema de agenda”. É uma emergência estrutural. Não se combate com campanhas de ocasião, mas com políticas públicas firmes, educação contínua, tribunais que funcionem e uma sociedade que se recuse a normalizar o medo. Porque a liberdade que celebramos nas ruas só faz sentido quando chega a todas as casas.
Talvez este seja o momento de percebermos que celebrar o 25 de Novembro apenas como peça histórica é ignorar o seu contraponto contemporâneo: a luta pela dignidade e pela segurança das mulheres portuguesas. E, sinceramente, que democracia é esta que se orgulha de uma data estabilizadora mas aceita viver com números de violência que desonram qualquer país civilizado?
O 25 de Abril de 1974 libertou-nos.
O 25 de Novembro de 1975 estabilizou-nos.
O 25 de Novembro de hoje lembra-nos que ainda não somos o que dizemos ser.
A liberdade conquistada não chega.
É preciso garantir que ela se vive todos os dias, para todas as pessoas.

