No ano do regresso pós-pandemia, o NOS Primavera Sound’22 valeu, essencialmente, pela adrenalina de Jehnny Beth, pela emoção provocada pelos Slowdive e pela magia de Nick Cave & The Bad Seeds, numa edição em que a música pop foi quem mais público arrastou ao Parque da Cidade, especialmente, Gorillaz, mas também Beck e… Tame Impala!
A magia do poder da emoção proporciona momentos felizes a quem os vive e os muitos milhares de melómanos que se estiveram no Porto Primavera Sound puderam desfrutar de alguns, após dois anos de jejum musical.
Aliás, foi bem notória a alegria e enorme a vontade das 100 mil almas que, segundo a organização, passaram pelo recinto em voltar a viver aqueles momentos únicos que a música, em especial ao vivo, consegue proporcionar, particularmente nos festivais.
Então, vejamos, na edição de regresso, após dois anos de jejum festivaleiro, o Porto Primavera Sound apostou numa reaproximação às origens indie, não deixando de abrir janelas a outras sonoridades e… movimentos.
Depois de no dia inaugural, Nick Cave & The Bad Seeds terem libertado pura magia sobre a entusiástica plateia (de que falaremos mais à frente), no segundo dia, à hora a que os Pavement arrancavam o seu concerto no Palco Nos, a “savage” Jehnny Beth, no Palco Binance, dava início à actuação que mais marcou este escriba nesta edição 2022 do festival portuense.
Enquanto os Pavement eram iguais a si próprios no palco principal, lá em cima, no Binance, a francesa dava um espectáculo inebriante, que a levou por duas vezes a usar o público como palco e a “injectar-lhe” muita adrenalina.
Aliás, o novo tema «More adrenaline» convenceu os mais cépticos a entrarem no carrossel de sensações que foi a performance da francesa.
Foi um pandemónio nesta primeira edição pós-pandemia. Foi um concerto poderoso, protagonizado por uma artista poderosa, que cedo agarrou e segurou o público. Foi um momento pleno de força, de intensidade, de poder e de sensualidade. Foi um concerto «Sexual Intellectual» (as duas palavras que exibia a vermelho na t-shirt branca). Desde início, Jehnny Beth foi uma instigadora, desafiadora do público, provocando-o, afirmando-se em palco!
A banda-sonora de base electrónica bebeu, essencialmente, do álbum de 2020, «To Love Is To Live», e contou com uma versão de «Closer», tema dos Nine Inch Nails.
Jehnny Beth foi adrenalina e atitude e foi… “I’m the man/I fuck all I can/’Cause I’m the man/Not a pussy”, do tema «I’m the man», com que fechou O concerto do Porto Primavera Sound 2022.
E se Jehnny Beth foi adrenalina, já os Slowdive foram a emoção. Pode parecer que não, mas aquilo é verdadeiramente fascinante. Mergulhar na sonoridade dos ingleses é ter passaporte para os confins infindáveis da… emoção. E, na sua passagem pelo Palco Nos, a banda de britânica foi luminosa e cintilante, parecendo tornar as escalas infinitas.
Em palco à hora do pôr-do-Sol, Nick Chaplin (baixo), Rachel Goswell (voz, guitarra e teclados), Neil Halstead (guitarra e voz), Christian Savill (guitarra) e Simon Scott (bateria) souberam tirar partido desse facto e provocaram um intenso arrepio à plateia. Foi bonito, pá!
Na véspera, os festivaleiros já haviam experienciado o primeiro grande momento emocional. Ao nível da performance de 2018 (nesse ano, debaixo de chuva), neste regresso pós-Covid, o Anjo Negro foi magnânimo.
Em sintonia plena com o público, numa relação perfeitamente recíproca, Nick Cave e todas aquelas Bad Seeds, lideradas por Warren Ellis, asseguraram duas horas de felicidade imensa aos milhares que os viam e ouviam.
O australiano exímio em levar as massas por aquele caminho, ora macio, ora tortuoso, que conhece bem e que é marcadamente negro, sabe igualmente mostrar a beleza e a sensibilidade fascinantes das suas criações.
Foi Nick Cave a ser Nick Cave e ainda, a espaços, a sorrir para a multidão. Pura magia! Do marcante «Tupelo» ao intimista «Into my arms», tocado só ao piano por Nick Cave e cantado em uníssono pela massa humana, o concerto fez-se de outros momentos impressionantes como os com «Jubilee street», «From her to eternity», «Red right hand», «The ship song» ou do emocionante «Mercy seat», entre tantos outros temas.
Nick Cave andou sempre num corrupio entre o palco, o piano e o público com o qual interagiu amiúde, tendo inclusive uma estrutura por onde andava em contacto com a plateia. Pura magia.
Destaque ainda para a estreia nacional dos londrinos Dry Cleaning, com álbum novo, o segundo, anunciado para Outubro e intitulado «Stumpwork», e que actuaram no Palco Cupra.
Senhores de uma sonoridade melodiosamente doce e maviosamente vocalizada por Florence Shaw, os Dry Cleaning têm ainda na guitarra de Tom Dowse muito do seu espírito pós-punk e irreverente e no baixo de Lewis Maynard e na bateria de Nick Buxton um coração imparável, mas… tranquilo e tranquilizador.
O concerto foi construído com base no álbum de estreia, o aclamado «New Long Leg», editado em 2021, e de onde saiu «More big birds» que a banda dedicou a Paula Rego. Apesar de ter sido às 17h00 e estar um Sol abrasador, os londrinos lograram reunir uma significativa audiência, prova que estão debaixo de olho do público nacional e não só.
A seguir aos Dry Cleaning, o Palco Cupra recebeu os texanos Khruangbin e o seu doce embalo que tanto cativa o público nacional.
No baixo, Laura Lee e seus meneios, na guitarra, Mark Speer e os seus riffs e solos e, na bateria, o “imparável” Donald «DJ» Johnson Jr. fizeram as delícias da vasta massa humana que assistiu ao concerto.
Alinhamento para festival, contou com alguns temas próprios, como «So we won’t Forget» ou «Lady and man», versões, como «Summer madness», tema dos Cool & The Gang, ou ainda um medley que iniciou com «Let’s dance», de David Bowie, e terminou com «Wicked game», de Chris Isaac.
Seja pelo som cowboy da guitarra, pela batida dançante da bateria ou pelo balanço do baixo e da baixista, o público não escapa a saracotear-se incessantemente, enquanto o espírito se perde no firmamento.
O trio norte-americano composto pelos Interpol, Dinossaur Jr. e os DIIV, os britânicos Penelope Isles e Squid e ainda os australianos Rolling Blackouts Coastal Fever também caíram no goto deste vosso escriba.
Pelo palco principal, logo no primeiro dia, os Tame Impala, que protagonizaram a primeira grande enchente do festival, deram um extraordinário espectáculo de luz e cor, embalando o público com a sua psicadélica sonoridade à base de guitarras e sintetizadores.
Seria, no entanto, Gorillaz, a banda de Damon Albarn, que lograria a maior enchente, quando subiu ao palco do NOS Primavera Sound na noite de sábado, último dia do evento.
Damon Albarn protagonizou um concerto épico, partilhando com os milhares de pessoas que assistiam a festa que começou em palco.
Com alinhamento que passou por quase todos os grandes temas de Gorillaz, o concerto foi ainda abrilhantado pela presença em palco de Beck, Little Simz, Bootie Brown, Fatoumata Diawara e Pos (aka Kelvin Mercer).
Momentos houve em que a plateia natural do Parque da Cidade se transformou numa gigantesca pista de dança, com milhares de pessoas a dançar, a saltar, a festejar, a desfrutar como se não houvesse amanhã.
Já o concerto de Beck, a que assistimos pouco tempo, demonstrou que o músico norte-americano, apesar de acompanhado apenas por dois músicos (na bateria e nos teclados), sabe como conduzir uma plateia e fazer valer as boas composições que tem criado ao longo dos anos. Porém, de pouco entusiasmante, os Rolling Blackouts CF levaram a melhor. E este escriba não se dá por arrependido!
A brasileira transgénero Pabllo Vittar (Palco Super Bock) e a nipónica, radicada em Londres, Rina Sawayama (Palco Cupra) foram outros dois pólos de atracção de público no festival. A primeira muito pela curiosidade e pelo espectáculo, a segunda pela força da música e da mensagem (apelos à autoestima e elogios à comunidade LGBTI+). A japonesa, acompanhada por uma baterista e uma guitarrista/teclista e por duas bailarinas, encantou a vasta legião de fãs que na plateia cantava e dançava intensamente.
O festival fez-se de muitos outros concertos e todos arrastaram público, pois gostos não se discutem, mas discutem-se algumas situações que, apesar da excelente organização da Pic-Nic no acolhimento da centena de milhar de pessoas, precisam de acerto.
A primeira delas é mesmo aquela zona VIP em frente ao palco e que, por exemplo, em Tame Impala (a primeira grande enchente do festival) estava às moscas! Reservar uma área junto ao palco interdita a quem pagou bilhete é uma situação que deve ser corrigida. A outra diz respeito às condições de trabalho dos fotojornalistas. A maior altura dos palcos é bem-vinda por facilitar a visibilidade ao público, no entanto, é necessário que o fosso seja mais largo para que não se vejam (e fotografem) pouco mais do que cabeças em palco!
O regresso do NOS Primavera Sound pode ser considerado um sucesso, não apenas pela esmagadora adesão do público, como pela música e até o clima esteve estupendo.
Para o ano há mais, esperemos cá estar para lá irmos e contar tudo, mais uma vez!