São 8h30 da manhã, enquanto passo pela Loja do Cidadão, a caminho do escritório. São 8h30 da manhã e já se amontoam – sim, é este mesmo, o termo certo – já se amontoam às portas da Loja do Cidadão, contadas a olho, umas quatro ou cinco dezenas de pessoas! Considerando que a maioria está ali para renovar, ou levantar o Cartão de Cidadão (CC), é caso para dizer que os funcionários da Loja têm trabalho para o resto da semana.
Claro que, para o cidadão comum, e para o cidadão comentador na alta roda da comunicação social, esta situação é absolutamente inaceitável! Imagine-se, ter de esperar para fazer algo, ainda por cima numa repartição pública! A culpa, claro está, é do governo. Porque não se acautelou devidamente. Porque entre greves de transportadores de combustíveis, professores, médicos, enfermeiros, juízes, procuradores, e da D. Emília da pastelaria, que procura melhorar as suas condições de trabalho, porque as artroses a impedem de segurar corretamente o pacote de leite quando lhe pedem para tirar um galão, o Governo (dizia eu) esqueceu-se de reforçar todas as repartições públicas com mais funcionários. Funcionários capazes de aviar toda a malta que esperou até que o CC caducasse, para ir fazer fila na Loja do Cidadão. A culpa é do governo porque não antecipou que dada a validade média de cinco anos dos cartões de cidadão, aproximadamente 20% da população necessita de renovar o CC a cada ano. E ainda é culpa do governo não conseguir acertar que todos esses 20% da população vão, no mesmo dia, à mesma hora, tirar senha para renovar o CC.
Isto é como culpar o dono do restaurante por não ter antecipado que ia necessitar de mais mesas disponíveis hoje, logo hoje, precisamente quando me lembrei de ir jantar fora, e quando cheguei tinha o restaurante cheio. Que maçada! Tive de esperar por uma mesa. Tive de esperar para ser atendido. Tive de pedir o Livro de Reclamações porque isto não se faz. Vamos é fazer uma greve e ficar todos em fila, em jeito de protesto, à entrada da Assembleia da República.
De nada valem as facilidades que a tecnologia ao serviço dos cidadãos proporciona.
De que vale gastar uns dez ou quinze Euros num leitor de cartões (Smart Cards) e renovar, ou tirar o CC sem sair de casa (procedimento possível desde 20 de junho), quando se pode perder muito mais faltando ao trabalho para marcar lugar na fila?
De que vale poder fazer um agendamento e esperar umas semanas para ir tranquilamente renovar os documentos?
Para que é que me hei de incomodar a procurar uma senha eletrónica e saber que serei atendido a determinada hora, mais minuto menos minuto?
Claro está que, depois, temos o outro lado da moeda, certo? Se tenho essas facilidades todas, por que raio andamos a pagar impostos para manter estas repartições abertas?
E voltamos ao problema inicial: Filas de espera.
As filas de espera são um clássico português.
Juro.
Uma vez encostei-me a um poste à espera de uns amigos. Nem reparei que ao lado tinha uma paragem de autocarro.
Lá está, não vi o elefante… no passeio!
Quando dei por mim tinha uma dúzia de pessoas, enfileiradas, ordeiramente, para uma entrada no autocarro. Ninguém estranhou o facto de a paragem estar para o outro lado da fila. Eu estava ali parado. Logo, estava à espera do autocarro. Quando o autocarro chegou e eu não entrei, ainda ficaram chateados por estarem ao sol, na fila, atrás de mim, em vez de abrigados na sombra da paragem! Eu não estava em fila nenhuma, gente!
O cartão de cidadão tem uma validade de cinco anos. Sim. Leram bem. Cinco anos. E estamos a falar dos cartões de “primeira leva”, isto é, daqueles que foram tirados pelos cidadãos até 2017, altura em que os cidadãos com mais de 25 anos começaram a ter CC com validade de 10 anos. Por exemplo o meu, renovado em 2018, sem filas de espera, tem agora validade até 2028.
Como consegui renovar o CC sem filas de espera?
Fácil: não esperei que caducasse.
Agendei renovação.
Assim mesmo. Qual é a sua desculpa?
Gilberto Pereira
Consultor de Marketing, Comunicação e Estratégia Digital, Diretor de Operações na MindSeo – Digital Inteligence Solutions.