“Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.”
Alexandre o’Neill, “um adeus português” (excerto)
O dia acordou cinzento, com o peso plúmbeo da derrota da seleção nacional de ontem, e o semblante carregado da desilusão. Escrevo tudo isto de maneira hesitante. Não porque tema as interpretações que advenham da leitura destas palavras, mas porque as pontas dos dedos no teclado parecem pequenas vozes embargadas com a emoção.
As estatísticas estavam contra nós. A Europa estava contra nós. Nós estávamos contra nós. Como sempre.
Negacionistas do nosso próprio sucesso.
Sabotadores da nossa fantasia e alegria.
Arrasadores daqueles que se atrevem a tentar ser maiores do que a própria sombra. Do que a própria alma. Do que a própria… tragédia, de ser português.
Este adeus português é para dois atletas que não mais veremos pisar um relvado, de quinas ao peito. Dois homens que se atreveram a deixar correr as lágrimas, porque o seu peito era incapaz de conter a emoção, que vinha do peso da responsabilidade de terem nos pés a desilusão para um país.
Quem disse que os homens não choram? Quem se atreve a dizer, que naqueles minutos derradeiros, com a despedida a escorrer na face de Pepe e de Cristiano Ronaldo, não teve os olhos embaçados pela emoção?
Desde o início do Euro, assisti às bárbaras agressões verbais atiradas a estes dois homens. Aliás… desde o início da caminhada para este Euro, assisti, vezes de mais, a pessoas ingratas encherem caixas de comentários em diversos idiomas, com insultos inacreditáveis para com estes dois homens. E é ainda mais triste constatar que os mais irados e absurdos comentários eram de um povo português. De um povo ingrato que rapidamente se esqueceu do privilégio que viveu, por poder contar no seleto mundo do futebol profissional, com o melhor jogador da história do futebol. E ainda para mais, por 20 anos consecutivos! Um povo ingrato que depressa se esqueceu do sofrimento atroz que a seleção vivia a cada apuramento, de calculadora na mão, à espera de um deslize dos adversários diretos, à espera de uma repescagem, para de quando em vez tentar brilhar nos palcos mais altos do futebol internacional, e depois simplesmente vir embora, com o rabo entre as pernas, depois de embaraçosas atuações em campo!
Estes jogadores esqueceram-se que vivíamos bem com a desilusão. Atreveram-se a querer mais para si e para a sua seleção. E o agradecimento foi serem tratados como párias! Meninos birrentos e sedentos de atenção, que nada mais queriam do que as câmaras focadas em si.
Ver Pepe, com 41 anos, depois de mais uma atuação de gala, em lágrimas, abraçado a Cristiano Ronaldo, que tentava conter as suas lágrimas, foi, muito provavelmente, a última imagem que tivemos destes dois enormes jogadores, juntos. Com certeza não os veremos novamente com as quinas ao peito. Com certeza não vibraremos mais com a garra defensiva de Pepe, com aquela agressividade que levava os adeptos a amar e odiar ao mesmo tempo este jogador. Não mais contaremos com o maior e melhor jogador da história do futebol no nosso onze inicial, nos nossos seletos 22, ou 24, para mais um Mundial, um Europeu… mas em vez de aplaudir os mais de 20 anos de alegrias e emoções, os mais de 20 anos que colocaram a seleção nacional taco-a-taco com as melhores seleções do mundo, criticamos e insultamos quem deu tudo pela nossa camisola.
Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro, o maior e melhor jogador da história do futebol, teve a trágica sorte de nascer português. Teve o trágico atrevimento de querer ser mais do que um acomodado sobreiro à beira-mar plantado. Teve o atrevimento de querer cantar mais alto do que o galo de Barcelos. E todos sabemos o que acontece aos galos que demasiado cantam.
Adeus, português.
Adeus…