Elefante na Sala: A Foice e o Marcelo

Assinala-se hoje, 25 de novembro, o “Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres”.

Esta data é assinalada anualmente e coloca um holofote sobre um tema fraturante na sociedade em geral, e em Portugal em particular. Digo “em Portugal em Particular” pois, muito embora a legislação e os meios de apoio e proteção às mulheres vítimas de violência tenham sido bastante desenvolvidos, e a consciencialização para esta questão seja cada vez maior, quando nos chegam as notícias sobre a atuação das autoridades sobre estes casos, verificamos sempre o mesmo padrão: As vítimas são vitimizadas, os agressores são valorizados!

As vítimas são obrigadas a sair de casa, a institucionalizarem-se e recomeçar vidas inteiras, muitas vezes com crianças ao seu cuidado, enquanto os agressores, os criminosos, se mantêm no conforto do lar conjugal, sem obrigações perante as vítimas, e muitas vezes (praticamente todas sem exceção) utilizando as crianças como armas de (nova) agressão.

Não me interpretem mal, há vontade de mudar as coisas, há vontade de proteger, de ajudar, as vítimas. Há vontade de responsabilizar e punir os agressores. Mas… da vontade à ação existem quilómetros a percorrer. E o primeiro passo é na consciência dos mais altos quadros governativos e na sua atuação.

Há apenas um par de dias, ouvimos incrédulos o Sr. Presidente da República afirmar que embora o Qatar não respeite os direitos humanos, deveríamos esquecer isso, a bem de uma competição mundial de organização privada, e a modos de justificação e pretexto para uma viagem até ao Qatar, para se sentar nas bancadas e assistir à estreia da Seleção Nacional no Campeonato Mundial. O Qatar, para além de não respeitar os direitos humanos, tem uma legislação extremamente rigorosa sobre as mulheres, de um nível de violência que até os mais conservadores ocidentais consideram inaceitável.

No Qatar, a mulher não pode sair à rua sem autorização do marido. A mulher não pode falar com outros homens. A mulher não pode conduzir. A mulher pode ser agredida sem castigo para o agressor. A mulher pode ser presa e açoitada por uma simples acusação de infidelidade, mesmo que não se prove a acusação. O Homem pode casar com várias mulheres ao mesmo tempo e fazer o que lhe apetece, mas esqueçamos isso.

Esqueçamos isso, a bem do futebol! Para Marcelo, a sua presença nas bancadas, como mais alto representante do Estado Português, não é sinónimo de apoio a este regime qatari. Para Marcelo, ir apoiar a seleção não é o mesmo que ir apoiar o desrespeito aos direitos humanos. Para Marcelo, a sua presença nas bancadas não é um fechar de olhos aos milhares de trabalhadores que morreram para erigir aquelas bancadas. Para Marcelo, a sua presença não é um desprezo português para os direitos das mulheres no Qatar, e no mundo. Mas para o Mundo, Sr. Presidente da República Portuguesa, é precisamente isso que é entendido. O adepto Marcelo não é indissociável do Presidente da República Marcelo.

Hoje, 25 de novembro, nas páginas dos jornais, Marcelo pede a todos que combatam a violência contra as mulheres, numa mensagem publicada no website oficial da Presidência. E ainda bem, que foi apenas numa mensagem publicada no website da Presidência, pois penso que o país e o mundo não estariam preparados para a monumental hipocrisia de ouvirmos Marcelo a transmitir esta mensagem, a partir do Qatar, onde se encontra.

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