E depois de ameaçar levemente os festivaleiros durante o final da tarde, com a noite a chuva caiu impiedosa ao terceiro do Festival Vodafone Paredes de Coura, mas ainda assim o público foi estóico e não abandonou.
Aliás, foi debaixo de uma chuva implacável que o público vibrou com o extraordinário concerto dos Black Midi, que, de certa forma, abençoaram o momento. E se a chuva foi impiedosa, o quarteto londrino provocou um autêntico dilúvio sonoro, com o seu rock disruptivo e implacável.

A massa humana que preenchia o anfiteatro natural de Coura, rapidamente se abstraiu da chuva e foi como se nada se passasse de anormal. A grande diferença foi que não houve pó, apesar do mosh e do crowdsurfing. Aliás, este último era mais facilitado pois os corpos deslizavam de forma quase natural.
A intensidade que os Black Midi metem nas suas actuações é impressionante e ontem, no Taboão, não foi diferente, com os ingleses a assinarem o concerto do dia.

O terceiro dia do Couraíso (ontem pouco paraíso, porque a chuva é sempre um grande incómodo para os milhares de campistas) foi repleto de concertos interessantes, com o segundo destaque a ir para os portugueses Máquina, um verdadeiro portento rock, chamados à última da hora para substituírem os The Last Dinner Party, que cancelaram a vinda a Coura por doença de um dos seus elementos.

Por entre uma densa nuvem de fumo, João, na guitarra, Tomás, no baixo, e Halison, na bateria e voz, mostraram que as bandas nacionais estão à altura, assim as chamem mais vezes.
O concerto do trio lisboeta foi um autêntica e constante descarga de energia. Riffs de guitarra com muita distorção e muito noise, sons intensos, sujos e repetitivos no baixo e uma bateria mecanizada compõem o ramalhete sonoro dos Máquina, que é ainda envolto numa densa atmosfera electrónica.

O público aderiu em massa, o mosh e o crowdsurfing foram uma constante e, no final, a alegria e satisfação da plateia era tão grande quanto a dos três membros da banda. Um projeto musical a seguir com muita atenção.

O dia começara com Korokoro e a sua proposta jazzística de afrobeat. O conjunto sedeado em Londres e composto por oito elementos conseguiu, ainda cedo, levar até ao recinto muito público, que depressa entrou no ritmo dançante dos Korokoro. Sem ser nada de especial, a banda teve uma actuação interessante, pondo o muito público a dançar facilmente com a sua sonoridade de fusão entre o moderno jazz inglês e o afrobeat.
Intensa foi a prestação dos Expresso Transatlântico, a outra representação nacional no cartaz de ontem. Vivendo muito da mestria de Gaspar Varela na guitarra portuguesa, a banda que nasceu em plena pandemia empolgou bastante o público, que aderiu muito bem à proposta sonora do grupo.

No Palco Yorn, seguiram-se os norte-americanos Thus Love. Sedento de agitação, o público cedo começou a exigir mais energia do palco, o que a banda de Vermont acedeu, mas ainda assim, apesar da dinâmica, não é concerto que fique para a história.
Já o mesmo não se pode dizer da actuação da dupla Domi & JD Beck, que levaram até ao Palco Vodafone uma proposta de jazz bastante eclético e, de certa forma, cerebral, mas também um pouco disruptivo. Fez as delícias dos festivaleiros, até porque apesar da sua enorme juventude – Domi tem 21 anos e JD Beck 19 –, a dupla citou inúmeras referências, de Aphex Twin a Herbie Hancock. Foi uma agradável surpresa, daquelas que é sempre muito bom encontrar nos festivais de música.

Entretanto houve mais um daqueles erros de casting no cartaz, que volta e meia têm acontecido. No caso, o rapper sueco Yung Lean, que, ainda por cima, se apresentou sozinho em palco, para além de estar envolto numa densa nuvem de fumo… qual D. Sebastião a regressar de Alcácer Quibir!

Perante o dilúvio, este vosso escriba retirou-se no final do fabuloso concerto dos Black Midi, de alma cheia e encharcado até aos ossos.