Duas horas de uma intensidade que toca directamente a medula, impulsionando os corpos para uma dança constante e empoderadora, que até nos temas mais calmos, como «Roy» ou «Grace», se sentiu. Foi assim o concerto dos britânicos Idles, no dia que fez de 2024 ano bissexto, perante uma esgotada Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota (ou, simplesmente, Palácio de Cristal), no Porto.
A cidade Invicta foi palco do arranque da digressão «Love is the fing», que vai levar os Idles Europa fora, com o «Tangk», o álbum editado a 16 de Fevereiro, na bagagem.
E se, de facto, «Tangk» foi o mote para o concerto em nome próprio do quinteto de Bristol no Palácio de Cristal, do restante repertório ouviu-se um pouco de tudo, em duas horas de pura adrenalina e sã loucura, com a catarse a acontecer na plateia, mas também no palco.

“Esta casa [concerto] foram vocês que construíram”, disse, a certa altura, Joe Talbot, dirigindo-se à plateia, que, mais tarde, apelidaria de “perfeita”. O vocalista aproveitou ainda para apelar, por diversas vezes, à “libertação da Palestina”, tendo mesmo feito uma ligeira alteração à letra de «Danny Nedelko», em mais um apelo em prol do povo palestiniano.
O arranque das duas horas de pura libertação deu-se ao som de «Idea 01», tema que também abre o novo álbum, uma espécie de fade in para o que se seguiria.
E o que se seguiu foi a primeira sucessão de rebuliços, que tiveram como banda sonora «Colossus», «Gift horse», «Mr. Motivator» e «Mother», abrandando um pouco em «Pop Pop Pop», para toda a gente normalizar o fôlego. É que, logo de seguida, nova chamada para o mosh ao som de «I’m scum», que aconteceria igualmente com «1049 Gotho» e «The wheel».
A esta altura já Joe Talbot tinha dividido a plateia em duas partes, desafiando o público a chocar de frente, já o guitarrista Lee Kiernan tinha feito crowdsurf e já muitos demónios tinham sido exorcizados por toda aquela massa humana que enchia a Super Bock Arena.

Enquanto Joe Talbot, carregadinho de bicho-carpinteiro e propenso à pose, exortava e desafiava o público, a esquizofrenia das guitarras de Mark Bowen e Lee Kiernan ensandecia os corpos que se agitavam incessantemente e libertava os espíritos que dançavam ao ritmo alucinante e quase animalesco imposto por Jon Beavis na bateria, sempre bem assessorado pelo marcante baixo de Adam Devonshire.
A mole que lotou o Palácio de Cristal era formada por gente de diversas gerações, sendo que os mais novos, também mais enérgicos, se mostravam muito agitados no mosh e no crowdsurfing. Era bem visível pela agitação, entusiasmo e sorrisos largos na plateia a satisfação do público, mas a que se sentia do palco era quase palpável. Aliás, Joe Talbot fez questão de, por diversas vezes, bradar bem alto a “gratidão” pelo que o público lhes proporciona.
«Divide and Conquer», «Meds», «Televison», «Hall & Oates», «Crawl!», o relampejante «Wizz» ou «Never fight a man with a perm» criaram diferentes atmosferas dentro do ambiente electrizante que se sentia na sala, mas sempre sem cedências. A urgência da música assim o impunha!

«Dancer», o último tema de «Tangk» tocado na noite de quinta-feira, deu o mote para o final apoteótico que todos desejavam. E para fechar, ainda antes de soltar «Rottweiler», o quinteto levou a plateia ao rubro com o sempre estimulante energizante «Danny Nedelko», que como sempre teve Mark Bowen a praticar crowdsurf.
Duas horas que foram uma espécie de chapada libertadora e feita amor, que toca e estremece o coração, e que tem tudo para se repetir, em Agosto, no idílico cenário do Festival de Paredes de Coura. Afinal, “No god, no king/I said, love is the thing” (in «Grace»).
A primeira parte da noite esteve a cargo dos também ingleses Ditz, que souberam aquecer as hostes, mostrando, tal como fizeram no final do ano passado no Hard Club, muita garra e energia.